sábado, maio 26, 2007

A noite de Raquel


Com um sorriso confiante na face, Raquel olhava-se ao espelho naquele princípio de noite ameno. Estava particularmente bonita! As maçãs do rosto rosadas, os viçosos cabelos caindo suavemente sobre os ombros, tapando em parte os seus olhos azuis, despertos e alegres, que demonstravam que esta não era uma noite qualquer. A roupa houvera sido meticulosamente escolhida, pois Raquel não deixava nada ao acaso. Era uma mulher de pormenores, perdia-se longas horas em pensamentos profundos, abstraindo-se da realidade e do tempo, imaginando a mecânica das coisas perfeitas, a habilidade do gesto ideal, as instruções para a personalidade perfeita.
No fundo, Raquel era uma mulher insegura de si. Os olhares interrogativos incomodavam-na, faziam-na questionar constantemente a sua postura. Estaria bem vestida? O cabelo impecavelmente penteado? Teria feito algo que pudesse comprometer a imagem que desejava que os outros tivessem de si? Mas afinal o que se passa na cabeça dos outros? Como podemos perceber se estamos a defraudar expectativas ou a despertar interesses inimagináveis? Os seus maiores receios eram sentir-se rejeitada, ridicularizada, posta à margem, ser-lhe apontado um dedo segregador, a humilhação pública, não ser compreendida, sentir-se sozinha no mundo...
O telemóvel toca. «Dois minutos e desço, desculpa!» Estojo de maquilhagem, perfume, telemóvel, carteira, chaves de casa, bolsa.
Hoje é um dia diferente, Raquel tem um objectivo e só descansará quando o atingir. Hoje sabe que os olhares não serão de interrogação mas sim de desejo, inveja, admiração. Está envolta numa aura de mística e poder, no topo de um pedestal que lhe preenche o ego e eleva a auto-estima. Esta noite Raquel não tem medo. Amanhã voltará a pensar.

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